A história de Arlindo Pato Mota atravessa regimes, desafia silêncios e assenta raízes num concelho onde a Cultura é resistência.
Com apenas 16 anos, já enfrentava a ditadura de caneta na mão. Hoje, aos 78, continua a escrever o seu nome na história da cidade com a mesma firmeza de quem acredita que as palavras podem mudar o mundo.
“Nunca fui preso, mas estava marcado pela PIDE.”
Em pleno Estado Novo, fez circular um abaixo-assinado com centenas de assinaturas, integrou a Comissão Pró-Associação dos Estudantes Liceais e desafiou o regime com convicção.
“Foi um professor, meu colega, que me denunciou à PIDE, em resposta a uma mobilização de que fui parte ativa.”
Refere-se ao envio para Lisboa de um abaixo-assinado subscrito por 80 por cento de docentes de Setúbal a reivindicar o pagamento nas férias e a vinculação a uma escola.
Como consequência, o diretor da escola de Setúbal recusou a sua recondução e atribuiu-lhe um horário disperso, cheio de furos, como forma de retaliação. “Foi esse mesmo diretor que afastou Zeca Afonso do ensino”, revela.
Arlindo Mota nasceu na vila do Troviscal, em Oliveira do Bairro, mas foi em Lisboa que cresceu e se formou. Licenciou-se em Filosofia e em Direito pela Universidade Clássica e, mais tarde, tornou-se mestre e doutorado em Ciência Política.
O percurso académico não o afastou do terreno. “Estivemos anos a lutar pelo direito dos professores a um salário contínuo. Reuníamos clandestinamente. Chegámos a ser ameaçados com seis anos de prisão em direto na televisão. Mas não parámos.”
Chegou a Setúbal em 1972, “de passagem”, como diz. Mas ficou. A amizade com Zeca Afonso e a ligação ao Círculo Cultural de Setúbal prenderam-no à cidade.
Promovia debates, dava aulas gratuitas a adultos e criava espaços de pensamento livre. O Café Central, na Praça de Bocage, foi um dos epicentros dessa atividade.
No dia da Revolução era diretor de Marketing da Setenave. Depois do 25 de Abril, ajudou a fundar, com outros professores e artistas, o jornal Margem Sul. “Finalmente, podíamos escrever livremente.”
O seu nome está ligado a várias instituições. Fundou a delegação da Escola Profissional Bento de Jesus Caraça, presidiu a SALPA – Associação para a Salvaguarda do Património de Setúbal e lidera atualmente a UNISETI – Universidade Sénior de Setúbal, onde promove o conhecimento junto de centenas de formandos por ano.
“É preciso continuar a aprender e reaprender, sempre.”
Cultura e Cidadania andam lado a lado na sua vida. A escrita foi sempre instrumento de intervenção. Antes do 25 de Abril, foi colunista censurado no Notícias da Amadora e n’O Professor, depois, escreveu no Diário de Lisboa, Repórter de Setúbal, em revistas e no jornal O Setubalense, onde ainda hoje assina crónicas.
Há um fio que atravessa toda a sua trajetória, o voluntariado. “Sempre me motivou a solidariedade. Sinto-me bem a ser solidário, a ser voluntário. Mas para que haja voluntariado, é preciso que as pessoas tenham condições de vida. Aquelas da Quinta do Talude, por exemplo, não podem fazê-lo.”
Com o olhar treinado na política e o coração nas letras, Arlindo dispensa grandes apresentações. Basta ouvi-lo. Ou lê-lo. “Enquanto tiver força e genica, não penso parar”, diz, como quem avisa que a próxima história já está a ser escrita.