Please ensure Javascript is enabled for purposes of website accessibility

Guia de Eventos de Setúbal

bastidores

Mentiras de PI

novembro 2025

Os primeiros ensaios de uma criação que mistura tecnologia, identidade e emoção revelam o lado invisível do Teatro Estúdio Fontenova. O público ainda não viu nada, mas a peça já começou a desenhar-se

 

O portão abre-se devagar, com o ranger do ferro a misturar-se com o som das patas de um cão que corre para cumprimentar. Lá dentro, a penumbra revela o coração do Teatro Estúdio Fontenova. Um espaço de resistência, memória e história, com máquinas de costura, manequins de figurinos, livros de teatro e uma parede que cita a frase de Brecht “não se esqueçam que o espetador pode compreender muito daquilo que vocês não sabem”.

É aqui, no número 11 da Rua Dr. Sousa Gomes, que nasce “O Erro de GPTO ou As Mentiras de PI”, texto de Rosa Dias, encenação de José Maria Dias, com estreia marcada para 14 de novembro no Fórum Municipal Luísa Todi.

Na sala de ensaios, com o chão delimitado por quadrados de movimento, o ator Ren D-Marcus lê as primeiras falas num tablet que substitui o guião tradicional. Este é um dos primeiros ensaios de um monólogo que cruza o universo da tecnologia e da identidade de género, inspirado livremente em “Pinóquio”.

Sentados à frente, José Maria Dias e Sara Costa, assistente de encenação, seguem cada gesto, cada respiração, cada pausa, cada entoação.

“Escolhe lá à tua vontade”, ouve-se, num tom de quem confia no processo. O lápis anota o papel, o olhar acompanha o ritmo das palavras.

“O texto é uma metáfora sobre a identidade de género”, explica o encenador. “A metáfora faz-se com GPTO, que é Geppetto, e o PI, que é Pinóquio. Então, o erro de Gepetto é que o GPTO criou uma entidade com um género e errou na coisa.”

O ensaio avança devagar, entre correções e repetições. As falas são interrompidas, moldadas, reinventadas. A voz cresce, o corpo dobra-se, o chão ganha vida. O silêncio pesa tanto quanto as palavras. A luz fraca reflete-se no chão e mede o esforço de um processo que ainda agora começa.

Noutra sala, Ana Rodrigues e Ivan Castro trabalham o design, a luz e a cenografia. Entre tecidos e computadores, a criação técnica ganha forma, lado a lado com o cão, que, entretanto, repousa.

Para José Maria Dias, a peça quer “inquietar, provocar reflexão sobre o que é ser diferente”, com o objetivo de “trazer as pessoas à consciência de que há uma diversidade enorme no ser humano”.

O “Erro de GPTO ou As Mentiras de PI” está em cena até 23 de novembro, com sessões para o público e para escolas.

A peça é um monólogo que é espelho e interrogação sobre o que é ser humano, afinal, quando até os números, como o pi, representado pela letra grega π, são infinitos, irracionais e imperfeitos. Nos bastidores do Teatro Estúdio Fontenova, a pergunta ecoa em cada ensaio. A resposta, talvez, só chega no palco.