Os 14 painéis que compõem uma das mais representativas obras da pintura portuguesa do século XVI estão de volta ao Museu de Setúbal, após um complexo e ambicioso projeto de conservação e restauro. Retoque nas cores e fotografia científica antecedem regresso
É do século XVI, do tempo do Renascimento, substantivo que se aplica na perfeição ao Retábulo da Capela-Mor da Igreja do Convento de Jesus, transferido agora para o Museu de Setúbal, já que a conservação preventiva e o restauro a que foi sujeito ao longo dos últimos meses lhe deram mais vida.
Mas, antes de ser devolvido à cidade e a quem a visita, no museu ao qual sempre pertenceu e de onde saiu em 1993, é preciso pegar em pigmentos, solventes, vernizes e pincéis e retocar minuciosamente a pintura.
Maria José Francisco, conservadora-restauradora de pintura do Museu de Setúbal/Convento de Jesus, pertence à vasta equipa que, por estes dias, tem dedicado a maior parte do tempo a finalizar o restauro desta obra atribuída à oficina de Lisboa de Jorge Afonso.
De lupa na testa, defronte de um dos quadros das três séries – “A Paixão de Cristo”, “A Infância de Jesus”, ou “As Alegrias da Virgem”, e “Santos Franciscanos” –, vai devolvendo à obra as características originais, intervindo o mínimo possível.
“O que estou a fazer neste momento é o retoque da pintura, que é a aproximação progressiva da cor através de velatura, ou seja, de camadas muito finas, com o objetivo de deixar transparecer a tinta que está por baixo nas zonas onde existe perda original”, refere.
A conservadora-restauradora, em funções na Câmara Municipal desde 1992, participa na fase de restauro para emendar lacunas, numa prova de perícia em que é “imprescindível utilizar materiais de boa reversibilidade e compatíveis com os originais”, explica a técnica.
A presente intervenção de retoque está a ser feita em simultâneo com o levantamento de fotografia através de diversas técnicas como macrofotografia e reflectografia de infravermelhos, a qual permite aceder a pormenores da pintura invisíveis a olho nu e mesmo ao que está por baixo das camadas de tinta, fornecendo imagens digitais do chamado desenho subjacente de Jorge Afonso.
O valor desses registos, realizados por Luís Bravo e Luís Piorro, do Laboratório José de Figueiredo, “é particularmente relevante para avançar no conhecimento da técnica pictórica e dar suporte ao estudo da comunidade científica”, sublinha Michelle Santos, chefe do Serviço Municipal de Museus da Divisão de Cultura e Património, para quem o retábulo, “além de um ex-líbris do Renascimento, é uma fonte inesgotável de informação”.