Tornou-se um símbolo da resistência setubalense contra a ditadura, chegando ao ponto de cortar a própria língua para se assegurar de que não denunciava camaradas à PIDE. Hoje, a história de Jaime Rebelo recorda-nos quanto custou a Liberdade
A luta contra a ditadura militar e o fascismo, a obstinação pelos direitos dos pescadores e a militância anarcossindicalista são os três eixos do percurso de Jaime Rebelo, “O Homem da Boca Cerrada”, marítimo que morreu em 1975, pouco vivendo a liberdade que ajudou a conquistar.
Reconhecido como um dos nomes mais importantes da resistência local ao fascismo, Jaime Rebelo, que nasceu em Setúbal em 1900, foi detido pela primeira vez com 27 anos, em julho de 1928, pelo assalto ao quartel do Regime de Infantaria nº 11 na sequência da Revolta do Castelo.
Preso, interrogado, sujeito a bárbaras sevícias, acabou condenado a três anos de degredo, que cumpriu primeiro em Angola e mais tarde nos Açores, de onde regressou a Setúbal em 1931, ano em que teve um papel decisivo na famosa greve dos 92 dias dos marítimos.
Pescador, desde muito jovem lia A Batalha, os contos da coleção A Novela Vermelha e a revista Renovação e frequentou as sedes dos sindicatos onde havia grupos de teatro, tunas e gabinetes de leitura.
Foi revisor de imprensa do jornal República nos últimos anos de vida. Fundou a Associação de Classe dos Trabalhadores do Mar, conhecida como Casa dos Pescadores, e destacou-se na CGT – Confederação Geral do Trabalho.
Em fevereiro de 1934, acusado de ter participado nos preparativos da greve geral revolucionária de 18 de janeiro ao lado de libertários, comunistas e associações operárias, Jaime Rebelo foi detido na Arrábida.
Recusou-se a denunciar os companheiros durante o interrogatório e foi nesta ocasião que protagonizou um dos episódios memoráveis da resistência antifascista: cortou a própria língua com uma lâmina de barbear, inspirando Jaime Cortesão a escrever o poema Romance do Homem da Boca Fechada e David Mourão-Ferreira o conto Solução.
A par da luta contra a repressão fascista, a militância anarcossindicalista foi outra das dimensões da sua vida.
Em Espanha, entre 1936 e 1939, participou na guerra civil e depois foi preso pela última vez pela PIDE em Peniche e no Aljube.
Irreverente, convicto e corajoso num tempo assim não tão distante, Jaime Rebelo dá nome a uma das principais avenidas de Setúbal, na zona ribeirinha da cidade.