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A conversão de São Paulo
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A conversão de São Paulo

setembro 2024

Para mostrar o quanto Caravaggio foi inovador e ousado, basta olhar com olhos de ver para um dos seus excelentes quadros, que são muitos. A conversão de São Paulo que aqui se apresenta (pois não é o único que fez do tema) serve bem de exemplo.

O quadro retrata o momento em que Paulo de Tarso, segundo uma das versões, cai do cavalo quando lhe surge uma luz ofuscante que o deixa cego por três dias, acompanhada por uma voz que comunica com ele. Após o episódio, este até então perseguidor dos seguidores de Cristo torna-se o apóstolo São Paulo. Repare-se que o cavaleiro ficou despojado das suas vestes e ferramentas de guerreiro aquando da queda, o que simboliza a passagem da vida material para a espiritual.

A composição do quadro é coisa nunca antes vista. São Paulo está numa posição muito exigente em termos de desenho, com o tronco num semi-escorço diagonal que dá profundidade à cena. O cavalo preenche cerca de um terço da superfície, com o seu opulento traseiro virado para o observador, o que na altura foi tido como ofensivo. Um pobre que passa segura no freio para acalmar o susto do animal.

Imaginando os homens de pé, direitos, veremos o quanto o cavalo é pequeno, ao contrário do que aparenta. Trata-se dum truque de composição para compactar as figuras, ficando como que sob pressão dos lados do retângulo. Os braços abertos de Paulo, estendidos para a luz, abrem espaço para além desse limite que aprisiona, já que a luz vem lá do alto.

Apenas duas cores são relativamente saturadas: o vermelho da capa e o verde das tiras que tem no peito e aos ombros. Repare-se como o vermelho se reflete no peito de Paulo e na perna do homem que acalma o cavalo. Quase tudo o resto são tons de ocre, castanho e branco, fazendo uma dança entre a sombra e a luz.

Luz e sombra, eis a matéria-prima de eleição de Caravaggio, que relega para segundo plano as composições, por mais complexas que sejam, assim como a anatomia, sempre tão rigorosa e surpreendente. Mas essa luz não é realista, incidindo sobre corpos e objetos com um sentido físico. É espiritual ou mágica, como que surgindo de diferentes focos, quase enfeitiçando a vista.

 

António GalrinhoArtista plástico

 

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