Jan Gossaert pintou vários quadros com o tema Virgem com o Menino, mas provavelmente será este o mais encantador. Simples pela composição, mas complexo pelo espaço e pela luz, e pelos detalhes, este é particularmente atraente. Sedutor, mesmo.
A sua luz molda a pele quase em jeito de sfumato, dá às pregas da roupa uma alternância suave de claros-escuros e provoca um acentuado efeito de profundidade no enquadramento arquitetónico.
A pele, levemente rosada nalgumas áreas, lembra o mármore da escultura. O recanto arquitetónico possui mármores multicores, com uma elaboradíssima sequência de formas, geometricamente complexas, que criam uma perspetiva perfeita. O vermelho das vestes de Maria simboliza a terra e o sangue, o azul simboliza o céu e o divino.
No colo, a Virgem terá o Velho Testamento ou algum dos livros que o compõem. Se o estivesse a ler e o Menino a ouvir, estaríamos perante o ensinamento. Se o Menino estivesse a mamar, já que uma mama de Maria está exposta, estaríamos perante a amamentação. Ensinamento e amamentação são temas frequentes neste tipo de composição.
Contudo, temos aqui algo diferente, que parece até apontar para uma certa heresia ou, pelo menos, rebeldia. O Menino não dá atenção ao livro, inclusive pisa-o e amarrota levemente algumas páginas, e também ignora a mama. Prefere centrar-se no afeto da mãe, colocando um braço por trás do seu pescoço e levando os lábios ao seu rosto. É o lado humano a sobrepor-se ao divino.
A suave cor avermelhada dos lábios de ambos parece apontar para a sensualidade dos afetos. O olhar, desinteressado, que a Virgem lança para nós mostra-nos que ela está rendida ao amor do seu filho. Repare-se que a mão que está no livro perde ação, enquanto a outra puxa a cabeça do Menino para si. É o amor pelo filho o que mais importa à mãe.
Os caracóis do cabelo de ambos são complexos e muito belos, dando para perceber a sua textura sem lhes tocarmos. Uma tiara com pérolas e pedras preciosas coroa a Virgem. O Menino segura uma maçã, que, neste contexto, simboliza a ligação entre o terreno e o espiritual, assim como o desejo de conhecimento.
António GalrinhoArtista plástico
