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Crucificação
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Crucificação

abril 2021

Esta é a última das quatro crucificações pintadas pelo pintor alemão Matthias Grunewald. Qual delas a mais dramática! A primeira foi pintada em 1508, esta em 1525, ou seja, no tempo em que em Itália se estava no apogeu do Renascimento.

Enquanto os pintores renascentistas se dedicavam aos cânones clássicos e ao idealismo inspirado na arte greco-romana, Grunewald desenvolvia uma estética perturbadora, ainda herdeira dum certo imaginário medieval. Esta crucificação situa-se, pois, nos antípodas das clássicas, onde Cristo surge sereno, sem expressão de dor ou sofrimento, como que aceitando a morte com indiferença.

Aqui, por seu lado, está um Cristo humano, de carne, pele e ossos, agonizante de dor ante a iminência da morte. O seu corpo não é seráfico, mas pejado de chagas, esverdeado, parecendo estar já em putrefação. E tem peso de coisa física, pois é um corpo humano, que faz vergar a madeira tosca do tronco onde as mãos estão espetadas. O peso do corpo dirige-se para a terra, como o de qualquer mortal. Não para o céu.

Os dedos das mãos de Cristo encaracolaram ao ser trespassados por grossos cravos; a expressão de dor da sua boca mostra os dentes; a enorme e rude coroa de espinhos acentua, e de que maneira!, a violência geral da cena; o tecido atado à cintura é um andrajo que se esgarça de tão velho e frágil; outro enorme cravo rasga-lhe os pés, curiosamente apoiados numa pequena base de madeira, elemento que parece proporcionar um vago alívio ao extremo sofrimento.

Sobre um fundo escuro e pisando um terreno estéril, a Virgem Maria (ou Maria Madalena) e o apóstolo João ladeiam Cristo. Os volumes escultóricos destas figuras, também elas andrajosas, iluminados por uma luz bacilenta, reforçam o dramatismo do quadro. Ela parece resignada; ele parece esboçar uma expressão de revolta.

À época, o Protestantismo dava os primeiros passos na Alemanha, pelo que a autoridade papal e as diretrizes da Igreja Católica já não se faziam sentir por aquelas terras. Talvez por isso, mas certamente mais por uma visão pessoal do artista, ao contrário das crucificações clássicas, desta não transparece uma réstia de esperança.

           

António Galrinho

Artista plástico

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