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Guia de Eventos de Setúbal

O Manel Bola
compasso

O Manel Bola

setembro 2019

Um dia, há poucos anos, confidenciou-me que tinha dezoito anos. Na verdade tinha dezoito anos, o seu corpo é que não conseguia acompanhar a ousadia. Dizia-me que usava bengala porque lhe dava mais estilo. Olhava-se com ironia e ria de si próprio. O Manel sabia rir.

Tinha a resposta sempre na ponta da língua. Língua afiada como uma espada e elegância na esgrima. Fosse qual fosse o tema ou tom da conversa, havia sempre ternura nos olhos e um jeito de dar a volta às coisas. Havia tempo e mundo nos seus olhos e uma inigualável reverência de escuta. O Manel sabia ouvir.

Gostava de ir à razão das coisas. As suas explanações sobre os mais diversos assuntos tinham o carácter didático de um homem informado e atento ao mundo e à realidade. A erudição e a cultura popular misturavam-se nas suas palavras com subtileza e autenticidade. Sabia utilizá-las habilmente nos momentos certos. Por vezes de forma desconcertante. O Manel era sofisticado na sua simplicidade.

O Teatro foi sempre a sua segunda casa. Parece que sempre lá viveu. As personagens que construiu eram autênticas e tinham a ternura do seu olhar. Eram simples e arrebatadoras. Inigualáveis, geniais. Foi um companheiro fantástico no palco como na vida.

O seu legado deixou-nos mais ricos. Para além da sua obra, ficou o seu exemplo de solidariedade, inconformismo e dignidade. Era impossível não ser seu amigo. Um homem temperamental com um coração de menino. Um jovem por quem os jovens nutriam uma ternura e uma admiração genuína porque compreendiam e identificavam-se com a sua irreverência. O Manel era um delicioso provocador.

A vida é generosa quando nos proporciona o encontro com pessoas que nos enchem a alma e nos tornam melhores seres humanos. Revemo-nos na sua simplicidade, na sua humildade e, sobretudo, na sua generosidade. A capacidade de nos darem o seu tempo, de nos resgatarem um sorriso e ficarem felizes com a nossa felicidade é um dom sem preço. Estas pessoas são um inestimável património. A cidade de Setúbal tem sorte em ter um homem assim e eu a sorte de me ter cruzado com ele na vida e no palco.

 

João Duarte Victor

Ator, encenador, especialista em Estudos de Teatro, mestre em Educação Artística

 

Texto escrito com as regras anterioresao novo acordo ortográfico