A pintura barroca espanhola é essencialmente religiosa, nela sendo frequentes cenas que envolvem martírios de santos, crucificações, penitências ou castigos. Contudo, há pintores que surpreendem afastando-se pontualmente dessas temáticas pesadas, seja para corresponder a outro tipo de encomendas, seja por gosto próprio.
Murillo aligeira a temática religiosa, colocando mais cor, mais luz e menos drama do que os outros. E, muitas vezes, põe sorrisos nos rostos das figuras. E é também um dos que fazem mais incursões noutros temas, no seu caso representando crianças pobres em situações do dia a dia, brincando, comendo ou procurando comida. Normalmente sorrindo, mesmo em situações de penúria.
Contudo, o menino deste quadro é um caso diferente, já que não é apenas pobre, mas andrajoso. Além disso, está sozinho e não sorri, sentado num chão de terra, num espaço que talvez nem seja uma casa de habitação.
O que está o menino a fazer? A pergunta é interessante de se colocar, caso não se conheça o quadro e ou o seu título. É natural que se fique com dúvidas perante a questão, mas sabendo-se que o título é Menino catando pulgas não será necessário questionar, já que ele contém a resposta.
Um menino, com toda a aparência de ser mendigo, está sentado no chão de terra duma casa miserável, vestindo roupa muito rota e remendada. Os seus pés muito sujos mostram que anda descalço, pois não terá o que calçar. As pernas estão à vista porque arregaçou as calças para aí se catar. Agora cata pulgas do peito, e é para lá que olha, no momento em que mata uma entre as unhas dos polegares.
No chão está uma cesta de palhinha, de onde saem três laranjas (fruto do inverno) sem cor, a apodrecer. Alguém lhas terá dado assim. Também no chão estão espalhadas larvas, partidas, de onde a criança terá retirado algum alimento. A bilha mostra que a água será o único alimento (sem que propriamente o seja) que tem como garantido.
Pela janela, sem qualquer proteção, entra uma luz de fim de tarde que ilumina a criança. A paleta cromática reduzida a cores terrosas não é nada comum em Murillo, mostrando que ele quis fazer aqui algo diferente.
António GalrinhoArtista plástico