Domenikos Theotokopoulos nasceu em Creta, onde se iniciou na pintura. Com cerca de 26 anos vai para Itália (Veneza e Roma), onde aperfeiçoa a sua técnica. Nove anos depois instala-se em Espanha (Toledo), onde produz as suas muitas e surpreendentes obras de maturidade. Ficou para a História como El Greco.
Certamente o seu percurso singular o terá ajudado a construir uma estética tão própria, que se carateriza por uma luz intensa, um forte colorido, corpos alongados e dinâmicos, assim como composições algo inusitadas. A opção por pinceladas largas e soltas e o desprezo pelo registo de detalhes tornaram-se mais evidentes nas suas últimas obras.
Pietà é uma encantadora obra do período de transição para a última fase. A composição é cuidada, a cor e a luz são intensas e vibrantes, mas o pincel já não se perde em detalhes, sobretudo nas roupagens, que apresentam pregas escultóricas mas irrealistas, e no fundo, que é praticamente neutro.
Um pedaço da base da cruz está por trás, ao centro, e a partir dele gera-se uma composição vagamente simétrica. Não há linhas de estrutura particularmente dominantes. É o corpo de Cristo que concentra e consolida a estrutura compositiva. Predominam as cores frias e neutras, que conferem um ambiente noturno à cena.
Cristo acabou de descer da cruz. Está acompanhado por S. José e pela Virgem Maria, que o amparam, e por Maria Madalena, que surge de cabelo solto. Repare-se na delicadeza dos gestos das mãos e na cumplicidade dos olhares. Cristo está morto, mas a cena não está registada em tom de lamentação. Não há sofrimento nos rostos nem tensão nos gestos, mas serenidade e compaixão.
Acabada de ser retirada, a coroa de espinhos está no chão. Veem-se nos ombros e no peito gotas de sangue que lhe escorreram da cabeça. As cinco chagas estão muito explícitas e carnais. O corpo de Cristo parece gelado de morte, mas o seu rosto é o de quem dorme. Deitado no colo de sua mãe, sobre o manto azul, faz lembrar quando esteve deitado nas palhas depois de nascer. Curiosamente, a composição lembra vagamente a de um presépio.
António GalrinhoArtista plástico