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Guia de Eventos de Setúbal

Modelo perante o espelho
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Modelo perante o espelho

setembro 2019

O espelho foi utilizado por diversos pintores ao longo dos séculos, quer para se autorretratarem, quer para criarem composições inusitadas e surpreendentes. Fotógrafos e cineastas também não se têm esquecido dele, dadas as potencialidades plásticas, as tensões e as dinâmicas que permite. Também escritores a ele têm recorrido, e não só no género policial.

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Ora, o espelho… por um lado é muito fiel à realidade, por outro inverte-a na relação esquerda-direita; permite olhar outra pessoa indiretamente; permite a ilusão de cada um se ver a si mesmo; permite observar dois pontos de vista simultaneamente; permite ver sem se ser visto. Em suma, no espelho há sempre uma duplicação de imagem, ainda que nem sempre a verdadeira esteja presente no registo que se fizer da situação.

Egon Schiele centrou a sua pintura quase exclusivamente na figura humana, encontrando soluções surpreendentes no que respeita aos ângulos de registo e às poses das suas modelos e dos seus retratados, bem como no que respeita às composições, ricas de tensão plástica e psicológica.

O seu desenho Modelo perante o espelho apresenta uma das suas mais surpreendentes composições. Ele, artista, está sentado desenhando uma modelo, que se apresenta de pé e de costas para si; ela, por sua vez, tem à sua frente um espelho. Ela olha a sua imagem nos olhos, mas ele tem de oscilar o seu olhar entre as três imagens que vê refletidas e o papel em que desenha, que tem à sua frente. Talvez por isso, e por se tratar dum desenho rápido e espontâneo, não se perceba para onde olha ele ao certo.

O registo da direita revela aquilo que o artista vê na realidade; o do centro revela a imagem que ele vê refletida da modelo; o da esquerda a sua própria imagem refletida. Contudo, repare-se que tanto ele como ela marcam presença duas vezes: as da modelo são ambas visíveis; das do artista apenas uma, já que a outra está para cá da superfície do papel.

Contudo, quem está agora para cá da superfície do papel é todo aquele que para o desenho olhar. Assim sendo, é cada um de nós que assiste, privilegiado, à cena representada, já que está situado no lugar do artista.

 

António GalrinhoArtista plástico