"Não gosto de coisas perfeitas"
Recusa a etiqueta de escultor por temer excesso de presunção, mas os peixes que nascem das mãos de Nuno Paulino, a partir de lixo, têm alma e vão muito para lá de simples artesanato.
Natural de Setúbal, cidade a que permanece intimamente ligado ao longo da vida, já com 49 anos, Nuno Paulino vai buscar ao amor incondicional pelo mar a inspiração para peças de arte que mergulham na nossa imaginação.
Faz peixes. Grandes e pequenos. Míticos e místicos. Dá-lhes vida a partir de materiais que outros homens renegaram, como entulho excomungado para o ventre da Natureza. Lixo. Nuno – com a parceria de mulher e filhos – junta metais, madeiras, vidros, plásticos, o que quer que seja que alguém se tenha arredado no passado e em negligência pelo meio ambiente.
Como tudo começou? De uma forma estranha, diz. “Tenho uma profissão um bocado esquisita. Faço canas de pesca personalizadas. Tem sido a minha atividade nos últimos 15 ou 16 anos.”
Invulgar ou não, já ganhou três competições internacionais, duas das quais campeonatos do mundo, tem um livro publicado nos Estados Unidos e “14 ou 15 capas de revistas” com o seu trabalho na principal publicação da especialidade.
Esta é uma parte do prelúdio. A outra é a mulher, Rute, criadora de joalharia e de peças de artesanato feitas a partir de peças recicladas, preferencialmente com relações marítimas. Em cumplicidade, criaram a loja Pedaços de Mar, na Rua Vasco da Gama, 34, na Fonte Nova. “Depois, juntaram-se as esculturas, os peixes.”
A procura dos materiais faz-se a pé, na costa, de preferência para sul e, principalmente, no Estuário do Sado, de uma ponta a outra, com muito lodo, muitos barcos enterrados. “Dá trabalho, mas não é trabalho. Aliás, digo que não trabalho há muitos anos. Faço o que gosto. Nunca vi uma mulher, um homem ou até uma criança como o meu filho ficar tão satisfeito por encontrar um barco podre.”
Aproveitam o que podem. O que outros descartaram, o que o mar rejeitou. Na lista de achados bizarros, lembra-se de um frigorífico no meio da praia, de pratos e até lâmpadas gigantes que não faz “a mínima ideia para que terão servido”. Quando tem que comprar, esforça-se por adquirir materiais reciclados ou facilmente recicláveis.
Há uma preocupação ambiental premente nesta forma de arte. Nas caminhadas em família, mesmo o lixo que não aproveita, recolhe-o. E tem encontrado outras formas de felicidade nesta peregrinação ecológica. “Apesar de ainda existir muito lixo, ultimamente diminuiu muitíssimo. Acho que a consciência das pessoas tem mudado.”
Em todas as esculturas as madeiras utilizadas são partes de barcos de pesca artesanais da costa setubalense. “Chamo-lhes ‘peixes com alma’ por isso. Os barcos têm uma história riquíssima e quando chegam ao fim de um ciclo são abandonados. Esta é uma forma de tentar prolongar essa vida.”
“Peixes com Alma” é precisamente o título da exposição permanente que Nuno Paulino tem agora patente na Casa da Baía, na Avenida Luísa Todi, onde doze esculturas nadam por entre pátio e corredores daquele centro de informação turístico municipal.
São peixes que lhe saíram da alma. Sem esquissos, nem ensaios. Inspirações de momento. “Caso contrário seriam perfeitos e eu não gosto de coisas perfeitas.”