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Guia de Eventos de Setúbal

pessoa

“Corria para ganhar, não para marcas”

Armando Aldegalega

março 2020

Armando Aldegalega é a prova de que o atletismo não tem idade. Corre desde que se lembra, mas a competição só chegou aos 18 anos. Uma vida com mais de seis décadas de corrida, repleta de títulos e recordes. Já não compete. Mas treina. Seis dias por semana. E dá treinos. Tem 82 anos. E não pensa em parar.

“Não estou reformado. Estou em stand by.” O tempo de corrida para ganhar já lá vai. Ainda assim, não abdica de dez quilómetros diários, de terça a domingo. “Prefiro morrer de pé, a correr, do que deitado. Porque estou feliz, a fazer algo de útil, que sempre fiz ao longo da vida.”

A vida de corrida passou-lhe, por acaso, à porta de casa, na zona das antigas Motoreiras Novas. “Tinha acabado de jantar e, quando saí, passa um grupo de atletas em treino. Acompanhei-os à ‘civil’ e aguentei até ao final. Convidaram-me para o clube.”

Pelo Grupo Desportivo Independente estreia-se em competição, na Légua de Setúbal. Fica em segundo. Ainda assim, a prestação agrada a um clube com outras ambições. “Quem é não queria ir para Sporting? E assim começa a minha vida de atleta.”

De leão ao peito, o setubalense constrói uma carreira e um currículo invejáveis. Conta com dezenas de títulos, nacionais e internacionais, e outros tantos recordes. Venceu por dez vezes a Maratona Nacional, a primeira em 1964, a última em 1980, já com 43 anos. “Corria para ganhar, não para marcas.”

Foi o primeiro português a ganhar uma medalha de ouro nos Jogos Ibero-Americanos, em Madrid, em 1962, e esteve nos Jogos Olímpicos de Tóquio e Munique, respetivamente em 1964 e 1972. Feitos alcançados sem ser profissional. Porque trabalhava.

Em Lisboa, esteve num posto de combustíveis e, por último, na distribuição de gás. Antes de ir viver para Odivelas, Armando Aldegalega, nascido a 23 de novembro de 1937, esteve na construção civil e foi aprendiz de canalizador no Hospital de São Bernardo.

Em Setúbal, ainda criança, trabalhou na monda do arroz, nas Pontes. De manhã ia com a mãe. No final, regressava sozinho, a correr, para ir jogar à bola. Não fosse o atletismo, tinha escolhido o futebol. “Eram cerca de sete quilómetros. Acho que foi isso que me deu uma preparação natural.”

Revela que podia ter feito mais, caso tivesse oportunidade de realizar treinos bidiários. “Pelo menos no que diz respeito a marcas. Treinava uma vez, mas bem. Agora perdem muito tempo com ginásio e técnicas. Os fundistas, como eu, precisam é de correr.”

O professor Moniz Pereira é a referência. “Desenvolveu um plano excecional. Agora inventam!” E defende o regresso dessa metodologia. “Deve continuar na base da formação e do treino porque foi feita a pensar nos atletas portugueses.”

A última maratona foi há dois anos. “O cérebro pede mas agora corro como o corpo pede. A corrida moderada é útil tanto para o corpo como para a mente.” E ainda se desafia em provas. Na Pista Moniz Pereira, ajuda os jovens com maior tendência para fundista e cuida dos equipamentos das equipas. 

“Sempre me preocupei com a preparação. Tive cuidado com a alimentação e não ter grandes lesões também ajudou. Ainda tenho condições e quero continuar a correr. Mas o essencial é ter saúde”, revela, sobre o segredo nada especial para uma vitalidade invejável.

A rotação da máquina abrandou, mas o conta-quilómetros não para. A contabilização, contudo, é incerta. “Penso que já corri milhões. Aqui há uns anos disseram-me que já devia ter dado umas seis voltas ao mundo. Acho que vou morrer a correr. Só não sei quando.”