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Guia de Eventos de Setúbal

pessoa

“No mar não há garantias de nada”

Daniel Ferreira

setembro 2019

O rosto marcado pelo sol e as mãos talhadas pelas redes e os artefactos de pesca denunciam-lhe a profissão. Daniel Ferreira, também conhecido como Daniel Panal, filho do antigo pescador João Carlos Ferreira, tem no sangue a tradição setubalense ligada à pesca. Não nasceu do mar, mas o mar está-lhe na essência.

“São raízes familiares. Segui os passos do meu pai e do meu tio. Fui praticamente arrastado para a pesca”, refere.

Com 55 anos, recorda mais de quatro décadas de uma vida dedicada às artes piscatórias. Primeiro como calafate, profissão que exerceu durante 20 anos, depois como pescador, quando a construção naval já não lhe dava trabalho o ano inteiro e os estaleiros em Setúbal desapareceram.

Da memória não lhe sai a primeira vez que foi ao mar. Tinha 7 anos, foi em julho, durante as férias de verão.

“O meu pai andava à pesca em Marrocos, mas estava cá e pescava nos barcos mais pequenos, aqui no rio e na costa. Era uma realidade muito diferente de tudo o que existe agora. E foi esquisito. Tinha muita dificuldade no equilíbrio”, relembra, entre risos.

Durante a juventude, confessa, nunca olhou para o mar como um modo de vida. “Quando somos novos não encaramos estas coisas como uma obrigação. Eu tinha sangue na guelra, fazia tudo. Gostava de ir ao mar porque era viciante. Ainda hoje é. Ir ao mar é viciante”, afirma.

A idade adulta e “ter casado novo, com 18 anos”, viraram-lhe a maré da responsabilidade e as aventuras no mar depressa se tornaram “um modo de vida”.

Há 21 anos, Daniel Ferreira constituiu a sociedade que hoje mantém com João Sousa, entralhador. “Conheço o João desde que tenho memória. Uma vida juntos”, diz.

Vão todos os dias ao mar. Ora de manhã, ora ao final do dia. Por vezes, ficam por lá a noite e o dia. No regresso, há todo um trabalho para dar continuidade e a preparação da faina do dia seguinte.

“Nunca, em momento algum, me arrependo de ter seguido a vida de pescador. Antigamente éramos mais afoitos, agora já não merece a pena. Temos família, que é o que realmente importa e já não pomos a vida em perigo”.

O futuro da pesca artesanal há muito que está ameaçado, mas a ligação emocional que une Daniel ao ofício suplanta as dificuldades e incertezas da profissão.

“No mar não há garantias de nada. A única coisa que posso garantir a um camarada que venha trabalhar comigo é trabalho. Vivemos da incerteza daquilo que apanhamos, mas temos trabalho assegurado até morrer”, afirma, com voz assertiva.

Até porque há um legado a cumprir. E uma crença que o move. “O pescador vive da fé de que tudo melhora. O que vamos pensar quando um dia não corre bem? Que não voltamos ao mar no dia seguinte? Continuo a lutar. A minha luta na pesca é uma forma de homenagear o meu pai. Sempre”.

Em 2006, Daniel Ferreira fundou com outros pescadores a Setúbal Pesca –  Associação de Pesca Artesanal, que representa os armadores da pesca local e costeira, em Setúbal, Gâmbia e Carrasqueira.

Atualmente com 120 embarcações agregadas, o propósito da associação passa pela criação de condições para o futuro da pesca da região, valorizando no presente a arte e as pessoas que a praticam.

“Fazia muita falta uma associação que nos defendesse. Desde então mudou muita coisa. Passámos a ter voz.