Grandes quadros de geniais pintores nos surpreendem e fascinam, de tal modo que os destacamos acima da restante pintura. Pela técnica, ousadia, surpresa magia e pelo que de indizível possuem. E quando as palavras que podem dizer da arte chegam a um beco, estamos perante algo muito especial a que, para não ficar aqui sem palavra, chamaremos “transcendente”.
No que à pintura europeia diz respeito, encontramos exemplos desses sobretudo no gótico final, no renascimento, no maneirismo, no barroco e no romantismo. No último século e meio, dada a proliferação de movimentos, já os exemplos tenderão a oscilar mais, em função das preferências de cada um. Do final da Idade Média para trás esta abordagem é difícil de fazer, devido à pouca pintura sobrevivente em bom estado de conservação, assim como também a aspetos de caráter religioso.
Quando pensamos na transcendência da arte, nem sempre nos ocorre recuar para lá do mundo greco-romano e das primeiras civilizações. Mas por que não recuar até à pré-história?, até ao tempo do homem das cavernas. Isso mesmo, até aí, onde voltamos a encontrar pintura verdadeiramente transcendente, sobretudo nas grutas de Lascaux e de Altamira.
Em Altamira foquemo-nos em O painel dos bisontes (a imagem não o reproduz completamente), que abrange a maior parte do principal conjunto de pintura da gruta. Uma quinzena de bisontes, pintados num amplo mas baixo teto de rocha, forma um dos mais notáveis painéis de pintura de todos os tempos. Os animais estão virados para diferentes direções, em diferentes posições e atitudes, alguns parcialmente sobrepostos; de entre eles destacam-se dois bisontes encolhidos, talvez feridos e moribundos.
Pintado há cerca de 15 mil anos, certamente por um único pintor que, utilizando técnicas rudimentares, soube tirar proveito das complicadas irregularidades da rocha, à luz de fogueiras ou de tochas. Obviamente possuindo prodigiosas capacidades de memória, observação e registo, de que pouquíssimos são dotados, fez deste painel uma obra dum realismo e duma expressividade verdadeiramente extraordinários. E transcendentes.
António GalrinhoArtista plástico